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Música e Cultura

A cultura musical evangélica brasileira jamais foi legitimamente brasileira
7 jul 2020, 00h00

Se existisse um panteão para as palavras de significado mais amplo, por certo, “música” e “cultura” estariam entre os destaques. Cultura é tudo o que é aprendido e partilhado pelos indivíduos de um determinado grupo e que lhe confere uma identidade. Não existe cultura superior ou inferior. Existe cultura que se deve respeitar. E a música é parte da cultura de cada povo. Aliás, ela é praticamente o cartão postal de qualquer cultura. Quer conhecer um povo? Conheça a sua música. Os outros elementos dessa cultura – comida, roupas, ideias, etc. – virão no pacote. Muitas pessoas, inclusive, aprendem outra língua apenas escutando e cantando músicas da cultura que fala essa língua.

Durante os anos que morei nos EUA, ensinei violão a um norte-americano apaixonado por música brasileira. Ao explicar-lhe detalhadamente o significado de diversas letras de músicas brasileiras, acabei por contar a história do Brasil e os seus aspectos culturais. O Brasil desenvolveu uma diversificada cultura que impressiona o mundo. Para conhecê-la, basta fazer uma viagem no repertório dos compositores brasileiros.

A música possui a tarefa de ser a porta-voz das melhores, mas também das piores ideias de qualquer cultura. A cultura liberal norte-americana, por exemplo, expandiu-se não apenas através do cinema. Isoladamente, a música angariou seus troféus. Explorada à exaustão, a cultura musical “sexo-drogas-rock-and-roll” ganhou o mundo. Em contrapartida, a cultura musical norte-americana chamada de “gospel” (que significa “evangélica”, em português), também ganhou o seu espaço, afinal, os Estados Unidos era um país quase que totalmente cristão, que exportava música para o mundo todo, inclusive, o Brasil, via os missionários.

Sem medo de errar, é fácil concluir que a cultura musical evangélica brasileira jamais foi legitimamente brasileira, mesmo sendo cantada em língua portuguesa. Com o tempo, o estilo norte-americano mudou – do órgão e corais passou às guitarras e baterias – e os músicos brasileiros surfaram na mesma onda. Musicalmente, então, os brasileiros são norte-americanos cantando em português e vivendo no Brasil. Pelo menos, no mundo evangélico, nascemos sem identidade nacional; e, lamentavelmente, continuamos.

A verdadeira cultura musical brasileira passa pelos seus típicos instrumentos – tamborim, pandeiro, sanfona, cavaquinho, violão de cordas de nylon – e não pela guitarra elétrica, o violão de cordas de aço ou os sintetizadores. Por isso, cada vez mais, os músicos evangélicos se distanciam dos incrédulos. A nossa melhor arma, a música, está distante da realidade cultural do brasileiro. Infelizmente, o cristão brasileiro ainda foge do samba, do baião, da timbalada, da catira, como o Diabo foge da cruz.

A música é criação de Deus, e os compositores também. Infelizmente, muitos optam por servir ao mundo com os seus dons, enquanto outros decidem por servir a Deus. O dom de compor é o mesmo, porém, o seu emprego é que diferencia o sacro do profano. A música e o ritmo não têm responsabilidade alguma com o conteúdo da letra. Deus pode ser revelado às pessoas por meio de qualquer ritmo, pois o que mostrará se uma música é de Deus ou não será a sua letra.

As igrejas evangélicas que desejarem entrar na guerra contra os cânceres que estão destruindo o Brasil – a corrupção, as drogas, o crime, a prostituição – obrigatoriamente, terão que mudar a mentalidade musical. Contra essa cultura maligna que se instalou em nossa cultura, não basta utilizarmos a música norte-americana, que é muito linda, mas pouco tem de conexão cultural com o povo brasileiro. As vidas que necessitam ser alcançadas são brasileiros legítimos que amam a rica cultura brasileira. É preciso se parar de tentar enganá-los com música estrangeira. As pessoas até escutam e cantam respeitosamente, todavia, dificilmente a mensagem desce ao coração. E quando essas pessoas se convertem – porque a “pregação” é convincente – por um lado, fico feliz, mas, por outro, confesso que sinto pena, porque elas terão que se submeter a um novo mundo musical completamente estranho, e ainda abandonar a própria cultura brasileira. É intrigante constatar que as ações missionárias das igrejas respeitam “ao máximo” a cultura indígena, mas, dentro das igrejas brasileiras estabelecidas e organizadas, a cultura brasileira é abafada e substituída pela cultura de outro país sem qualquer critério. Um contrassenso completo! Um paradoxo inexplicável!

ATILANO MURADAS
Pastor, jornalista, teólogo, escritor, compositor e palestrante. Possui 11 CDs gravados e 5 livros publicados. Recebeu o Prêmio Areté, pelo livro “A música dentro e fora da Igreja” (Editora Vida) e participou como comentarista da Bíblia Brasileira de Estudos (Editora Hagnos). Morou por 7 anos nos EUA, onde foi Secretário da Associação Brasileira de Imprensa Internacional (ABIInter) e pastor-titular da Brazilian Presbyterian Church, em Houston, no Texas. É autor dos musicais “O Brasil precisa de Deus” (para a JMN), “DVD Davi” (para o Diante do Trono) e “1968 – O ano que não terminou” (para Helena Tannure). É casado há 35 anos com a odontopediatra e pedagoga Isildinha Muradas, com quem tem dois filhos, Atilano Júnior e Asaph, ambos casados, respectivamente, com Michelle e Ana Rute, e um neto, Pedro Muradas. Contato: atilanomuradasneto@gmail.com / (31) 98224-3141 (Whatsapp).

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